Tuesday, March 13, 2012

Olhar Adiante...



After a weekend like this one, we are all in need of a bit of therapy. That's what this song is for me: therapy. But also...hope. Thanks Aline.

Depois de um fim de semana como este, só nos resta a terapia colectiva. É o que esta música é pra mim: terapia. E também...esperança. Obrigado Aline.


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Saturday, March 3, 2012

Caipirinha Lounge Interview: Grande Entrevista à Luaty Beirão

Ikonoklasta. Brigadeiro Matafrakuxz. 1000iSegundo. Nkwa Kobanza. Os nomes artísticos são vários, mas o nome do homem é só um: Luaty Beirão. Esta entrevista foi anunciada há quase um ano, mas desde lá pra cá tanto o homem como o artista foram catapultados uma notoriedade imprevisível naquela época. Por volta desta altura no ano passado, o Luaty subiu ao palco num concerto do Bob da Rage Sense e falou o que lhe ia na alma. Desde então, foi preso no dia 7 de Março, levou surra em diversas manifestações e, por mais que tente negar o contrário, tornou-se um dos símbolos da crescente juventude angolana inconformada com o rumo do país. Mas antes de tudo isso, o Brigadeiro é um músico polivalente, participante em diversos projectos culturais e musicais em Angola e Portugal. As perguntas e respostas que se seguem permitem-nos conhecer um pouco mais tanto o homem como o artista. Boa leitura.

As Origens 

"Repara que eu falo de underground como sendo a única coisa digna de referência, porque o resto para mim é Hip Pop, eventualmente fazem temas “giros”, mas não os considero ser hip hop só porque rappam."

Caipirinha Lounge - Como surgiu a sua paixão pelo hip-hop? 

Luaty - Antes de 94 eu não tinha a perceção da existência de um movimento, de um estilo de um género musical ou cultura que me fascinasse no seu todo. Já tinha tido contacto com o Hip Hop através do Turbo (um breaker que rebentava tudo num filme que passou na TPA, convenientemente intitulado “Breakin'”) e, por mais incrível que possa parecer, com um disco de vinyl dos Breakmachine que o meu pai e o meu avô tinham, não sei se compraram por engano ou se estavam a tentar estar a par do progresso musical :). Mas eu era muito novo e não conseguia ligar as coisas à uma cultura específica, também por serem fenómenos esporádicos. Terão sido os meus primos que residiam em França, numa das suas férias de verão na casa da minha avó, que me “batizaram”, martelando-me constantemente com Cypress Hill, House of Pain, Gangstarr, Nas, Snoop Dogg, ao que eu retorquia tocando-lhes o Nevermind, Use your Illusion, enquanto jogávamos supernintendo.

Quais foram as suas primeiras grandes influências no hip-hop mundial?

Ainda antes dos meus primos chegarem um colega gravou-me o disco “Da Bomb” dos Kris Kross numa k7, que veio a ser numerotada 1 com o lado B sendo preenchido já pelo primeiro grupo que me convenceu no meio de tantos que viria depois a considerar grandes: House of Pain – Same as it ever was foi o álbum. Adorei a mistura do rap agressivo com heavy metal, pois estava a sair de uma fase Guns n Roses, Nirvana. Então foi assim: House of Pain, Nas, Dr. Dre, Snoop Doggy Dogg, Gangstarr, Blackmoon, De la Soul, Funkdoobiest, Cypress Hill. Mais ou menos isso, teria de olhar para as minhas primeiras k7's de novo.

Quando decidiste que querias fazer parte do hip-hop?

Na verdade, as respostas que te estou a dar até aqui estão todas na trilogia “Vindimas” do mp3chos Ikonodamus que pode ser encontrado para download gratuito online.

Como encara o hip-hop em Angola e como descreve a sua evolução?

Sinceramente eu acho que o Hip Hop em Angola tem crescido, amadurecido, subido relaxadamente a escadaria, degrau a degrau. Como em todo o lado, os apressados acabam por tropeçar, a fama consome-se rápido tipo fósforo, os apetites e os gostos das pessoas são voláteis e ontem batia comercial, hoje é o underground que é mais procurado. Hoje tens um festival de uma grande marca com nomes quase exclusivamente do underground/consciente (Kid MC, Valete, MCK) quando a lógica diz que esses festivais funcionam com música xunga e superficial. Isso introduz um novo elemento desafiador para a música “underground”: o mainstream. Isso fez com que muitos artistas começassem a preocupar-se mais com a sua imagem, em ter uma estratégia de marketing, ou seja, preocupações normalmente associadas a artistas que se levam a sério. O underground levou anos a apurar, a levar a sério a qualidade da gravação, a aceitar que ter o flow fora de tempo não é ser underground, é simplesmente não ter noção rítmica. Levou tempo, levou muito investimento de bolso próprio, edições de autor, independentes, a aparição de talentos como o Denexl para que outros se esforçassem mais em lapidar o seu metal precioso em estado bruto. Naturalmente alguns começaram a aceitar que deveriam dedicar-se exclusivamente à produção e hoje temos produtores de alta qualidade no nosso panorama hip hopiano. Sinto pena que os outros elementos não sejam tão explorados, não conheço pessoal a investir em pratos e vinyls para ser DJ, os grupos de break começam agora a aparecer um pouco mais, mas também não duram muito tempo e têm de vender o seu talento para programas televisivos dançando por cima de músicas nada dignificantes para a cultura. Grafiteiros são ainda mais raros, o que considero ser uma tristeza, pois fica difícil dizer que exista um MOVIMENTO HIP HOP, pelo menos um que seja sólido. Ainda assim, tenho de considerar que cresceu-se MUITO. Repara que eu falo de underground como sendo a única coisa digna de referência, porque o resto para mim é Hip Pop, eventualmente fazem temas “giros”, mas não os considero ser hip hop só porque rappam.

Como encara o hip-hop no mundo lusófono em geral? 

Teve dias de glória, continua a ter coisas de muita qualidade, mas sinto-me orgulhoso de ter testemunhado o nascer da aceitação da língua como sendo adaptável ao ritmo rap e das músicas dos folclores nacionais dos respetivos países incorporadas nas bases musicais que cunhariam os nossos raps com uma identidade indelével e inalienável. Já me emocionei a ouvir temas em português, feitos por portugueses, angolanos, brasileiros, moçambicanos e acho que isso é sinal que, nos meus critérios, há coisas de muito elevada qualidade. Por acaso, hoje em dia já perdi o interesse em seguir com atenção as novidades e as inovações, preferindo esperar que mas indiquem. Hoje oiço muito mais música e muito mais diversificada por isso há certo tipo de rap que rapidamente me aborrece por me parecer repetitivo, sem história. 


E como encara a sua evolução a nível mundial?

Eu continuo a ouvir muito hip hop vindo dos 4 cantos do mundo (que por ser oval não tem propriamente cantos), de muito boa qualidade. A ideia que o hip hop está uma merda é falsa, só sustentável pelo que é publicitado como sendo hip hop mas que não passa de hip pop, sem alma, sem conteúdo, sem interesse, sem sentido. Fast-food music para pessoas formatadas e pré-programadas para paparem aquilo, entrando mais na definição de pop do que outra coisa qualquer, tendo apenas o revestimento em rap. Mas há os Little Brother, os Reks, os Jedi Mind Tricks, os The Roots, os Blu, há tanta coisa boa ainda exaltando os mesmos sentimentos que me atraíram inicialmente para o rap/hip hop que tenho de dizer que ele está bem e de saúde! Depois há os novos géneros que estão a aparecer como ramificações do hip hop ou claramente inspiradas por ele e se calhar isso seria mais adequado para abordar nesta resposta, mas ia alongar-me muito.

O Homem e a música 

"Sinceramente, não me importa nem um pouco o apoio e o reconhecimento. A minha atividade artística é quase como a minha catarse pessoal, a minha maneira de exorcizar as minhas angústias, as minhas dúvidas, as minhas alegrias, as minhas opiniões, com quem quer que seja que queira ouvi-las."

O que é “música boa” para si?

Tudo o que me dê vontade de ouvir várias vezes, que me inspire alguma coisa, que me desperte alguma emoção, que me empurre a conhecer mais, que me desafie os preconceitos. Basicamente não se explica, só se sente.

Como músico angolano, pensas que tens o devido apoio e reconhecimento?

Sinceramente, não me importa nem um pouco o apoio e o reconhecimento. A minha atividade artística é quase como a minha catarse pessoal, a minha maneira de exorcizar as minhas angústias, as minhas dúvidas, as minhas alegrias, as minhas opiniões, com quem quer que seja que queira ouvi-las. Apoio aqui significa MPLA através de Bento Kangamba ou outro esbirro testa-de-ferro. Significa ter que se submeter às suas regras e caprichos e eu, não tenho ânsia de ser conhecido, não com esse tipo de ajuda que depois lobotomiza os artistas tornando-os marionetes nas mãos dessa gente sem escrúpulos. Acredito que, se a música for boa ou se as pessoas se identificarem intensamente com ela, viaja sozinha, sem rádio, sem televisão, vai no boca-à-boca com auxílio dos CD pirata. Não há muitas músicas minhas na pirataria então deduzo que não tenha ainda o dom da comunicação adequada com os consumidores do estilo no qual sou protagonista, mas também não estou a procura da fórmula mágica.

Já é possível viver só da música em Angola?

Da música só? Não sei, se calhar alguns raros artistas conseguem, mas ainda menos são os que conseguem sem comprometerem a sua integridade artística e limitarem a sua criatividade para não correr risco de ofender os patrões, para não morder a mão que os alimenta. Eu não vivo certamente da música e espero nunca depender dela para comer.


Com que idade começou a fazer música?

13, 14 anos.

Descreve-nos Ikonoklasta como artista.

Anti-dogmas, curioso, explorador, “tou-me a cagar, faço o que me der na venta”, preocupado com o mundo, atormentado, alegre, esquizofrénico, auto-crítico, palerma, melómano.


E como homem?

Anti-dogmas, curioso, explorador, preocupado com o mundo, atormentado, alegre, esquizofrénico, auto-crítico, palerma, melómano, chato, impossível de aturar, eterno ignorante buscando saber, saturado com a estupidez suicida do ser humano. :)

Explique-nos as suas quatro personagens: o Ikono, o Nkwako Mpanza (sp?), o Brigadeiro Matrafrakuxz, e o irreverente 1000i. Como surgiram e o que representam? 

Brigadeiro Mata-Frakuxz foi o primeiro e surgiu por necessidade pessoal de ter um nome em português, contrastando com a maioria que optava por pseudónimos em inglês. É um nome de “mc chateado”, pois nos meus primórdios focava-me sobretudo em rap de pugilismo verbal, cascando em todos que considerasse serem fracos. Isso vai mudando com o tempo e com a idade e achei que soava muito mal fazer música mais introspetiva com um nome tão duro. Apercebi-me que não era obrigado a vincular-me a pseudónimos, muito menos exclusivamente, que para esse tipo de prisão toponímica bastava-me o nome de registo, então arranjei um segundo pseudónimo e mais outro, para adequá-los ao tipo de abordagem de cada tema que escrevia. Na verdade, o irreverente e arrogante personagem é o Mata-frakuxz, que se acha com autoridade para definir o que é bom ou mau e impô-lo aos outros. O 1000iSegundo é na verdade o personagem que conta histórias, que podem ser alegres, tristes, ou algures entre uma e outra. O 1000i será portanto o personagem do Puzzle Sonoro ou do Cupido Bêbado por exemplo. Eu simplesmente gostei da maneira que encontrei para escrever “milisegundo” por isso o nome :). Cheguei a esse ponto de safodismo, de adotar nomes só porque me pareciam engraçados. O Nkwa Kobanza aparece da necessidade de ter um nome em língua nacional. Escrevinhei num papel uma lista de nomes em português que pedi ao MCK para levar à mãe dele e traduzir para kimbundu e gostei da sonoridade desse: Nkwa Kobanza que vinha traduzido em frente de “homem que pensa, homem que reflete, pensador”. Esse é o meu personagem introspetivo, por exemplo do Se eu Criasse ou do Atormentado.

Se Eu Criasse

O Ikonoklasta aparece curiosamente depois de todos estes pseudónimos para ser o pai de todos os personagens, o que todos engloba na sua definição, daí se ter tornado o nome principal. Estava a procura de uma palavra no dicionário e a palavra “iconoclasta” estaria algures em baixo e chamou-me a atenção. Quando li o significado pensei: “mas isto sou eu!”

Conjunto Ngonguenha in Luanda International Jazz Festival
Photo by Massalo
Como surgiu o relacionamento com MCK, Keita Mayanda, e o resto do Conjunto Ngonguenha?

Foi algo natural, todos gostávamos do mesmo, acabámos por desenhar esse destino de eventualmente nos cruzarmos. O MCK conheci-o ainda muito mocinho, quando tentava andar e vestir-se como um rapper, mas já tinha qualquer coisa de único que saltava à vista desarmada, destoando daquele look forçado. Carinha laroca e corte de cabelo com o logotipo da Wu-Tang, ficava à saída do programa de Hip Hop que tinha com o NK na LAC (A Era do Hip Hop) e fazia freestyles. Entregou-nos uma k7 com o primeiro som que lhe conheço e passámos no ar. Por alguma razão o microfone ficou aberto e o MCK, no pátio da rádio, ouviu-me dar gargalhadas com algumas das hilariantes linhas do som e na altura o pessoal não ia muito com a minha cara, acho que ele deve ter sido levado a pensar que ria de estiga e não de estar genuinamente divertido. Desde 96, 97 que nos conhecemos portanto. Já lá vão mais de 10 anos. O Leonardo conheci também através do NK e sempre o achei um figurão, super engraçado, positivo e muito boa energia, alguém de bom para se ter por perto. Na altura vivia na África do Sul e gravou um som que nos kuyou bwé, quando ainda tinha o nome de “Cão Leão”. Depois saíu o Basicamente Simples e nessa altura já nos íamos cruzando e intrusando mais vezes. O Condutas, foi meu colega no Colégio Elizângela, nunca imaginei que ele fosse dar para um hip hop nerd e um produtor tão talentoso. Só anos mais tarde, quando o Keita Mayanda foi viver para Portugal é que voltámos a restabelecer contacto e ele enviou-me cenas dele e do seu grupo Nova Trova. Depois também os sons que ia fazendo com o Keita lá e, pronto, recrudesceu a nossa amizade. Ngonguenha foi o lógico e inevitável passo a seguir, a celebração da angolanidade de 4 pessoas que se admiravam mutuamente e que inspiraram surtos de criatividade uns nos outros. O Keita também só o conheci REALMENTE nessa altura, em 2002, mas já era fã dele, dos tempos em que ainda se chamava Revolucionário, membro do meu grupo preferido de então Os Filhos da Ala Este.


Porquê a sua retirada do grupo [Conjunto Ngonguenha]?

Cito o título de um disco do José Mário Branco: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Só posso dizer que as nossas rotas artisticas colidiram, por diversas razões, que tinham a ver com as aspirações e as ambições de cada um de nós. A vida pessoal/profissional também afetou a maneira como se encarava a música e apercebi-me com muita tristeza que já não estávamos em sintonia. Finalmente, restava-me aceitar isso como uma fatalidade própria da vida e agarrar-me as coisas bonitas que criámos juntos. Gosto muito do segundo disco, está mais “profissional”, a energia está lá na mesma, as músicas são muito boas, mas não consigo deixar de sentir um travo amargo na boca por no final do processo as coisas terem se revelado de maneira tão evidente e avassaladora, ao ponto de causar a rutura. Por isso o primeiro disco é mais especial para mim e resume-me melhor como artista e como pessoa, é mais à toa, mais despenteado, mais desarrumado, mais despreocupado com normas e atropelando inclusivé algumas.

E influências musicais, para além do hip-hop?

A lista é enorme. Checkem o meu blog para ter algumas luzes acerca da diversidade do que me inspira e ainda assim só ficarão com uma visão limitada, pois aquilo é um de muitos galhos de uma árvore frondosa.

Quais são os seus artistas lusofonos preferidos?

Sam the kid, Valete, XEG, Ary dos Santos, Dealemma (nos primórdios), DJ Mpula, Saramago, José Mário Branco, Ricardo Pereira (do Gato Fedorento não o da novela), Mia Couto, Pepetela, epá brother, a lista é tão longa e errática que iria sempre ficar incompleta, ou pelo menos obrigar-me a pensar durante dias e eu já te estou a dever esta entrevista há quase um ano :)

Algumas das suas músicas têm um forte teor psicológico, social, e político (Conspiração dos Moskitos, Efeméride do Sékulo I e II, Kamikaze angolano, etc) . Como surgiram as ideias e as inspirações destas música?

Efeméride do Sékulo veio diretamente dos acontecimentos de 11 de Setembro. Nunca engoli aquela história do Bin Laden mandar tanta coisa abaixo num só dia. Debrucei-me sobre esse episódio e devorei as notícias que iam saíndo, acabando por me inclinar para a teoria da conspiração: 911 foi um trabalho de dentro! Daí as duas versões dessa música. O Kamikaze Angolano foi o meu primeiro grito de: “BASTA! Aconteça o que acontecer, tenho de fazer isto!”. Foi uma homenagem ao Cherokee, o jovem assassinado pela UGP por estar a cantarolar uma música do MCK. A Conspiração dos Moskitos foi um estalo. Estava a ouvir aquele instrumental com sample do Fela e fiquei a tentar pintar um quadro na minha cabeça, pensando na coisa mais mirabolante possível para adequá-lo ao instru. Lembrei-me de uns insetos que tinha na casa do meu pai em Luanda que ele sempre me disse serem inofensivos, daí ter achado que seria um tema absurdo o suficiente para inventar uma história e foi saíndo. Um pouco como nasceu o Cuka também.

Kamikaze Angolano

Batida!
Faz parte de vários projectos culturais e musicais, incluindo a Fazuma e Batida. Como surgiu a sua participação nestes projectos, e porquê? 

Batida é um projeto DJ Mpula/Fazuma. Fazuma é um coletivo de artistas que primam por critérios de pureza e beleza estética artistica com os quais me identifico, daí eu ser um membro da família. Estou com eles desde 2004/2005, justamente depois de ter saído a Conspiração dos Moskitos Inofensivos e o Ngonguenhação que foi o que chamou a atenção do Pedro, o cérebro da Fazuma. Desde o nosso primeiro encontro que as coisas aconteceram espontâneamente e daí em diante tem sido várias produções em conjunto, incluíndo o mambo tipo documentário É Dreda Ser Angolano. Porque sim, gosto deles, identifico-me com eles, sinto-me um deles, é natural :)

Trabalhou também com artistas diversos no universo da música lusófona, como os Terrakota e Cacique ’97. Fala-nos um pouco sobre o que o levou a cantar com estes ilustres.

Gosto bwé da música deles e aparentemente eles viram alguma coisa na minha que complementava as deles e convidaram-me. Mostraram-me os temas e/ou instrumentais e eu adorei-os. Tinha de subir nos mambos. Como disse antes, se eu gosto, não vou avaliar se é hardcore, softcore, punk, drum n bass, kizomba, kuduro, faço e pronto! Foi uma experiência enriquecedora, sobretudo ter escrito uma letra para Terrakota que estava mega-receoso de não ser musicável, pois só estou habituado a escrever raps, mas eles gostaram tanto que não só musicaram com mestria, como acharam que deveriam fazer dela o single de apresentação do disco e um dos clips mais fortes que já vi feitos na tuga. Logicamente que não posso deixar de sentir uma ponta de orgulho, já era fã dos Terrakota há uns anos.

Dos álbuns e mp3chos que já lançou, qual o seu preferido, e porquê?

Não tenho um preferido. São todos meus filhotes :)

E a sua música preferida da sua autoria (só se for possível responder tal pergunta)?

Não é possível :)

Falemos um pouco sobre cultura. Quais são para si os pontos fortes da cultura angolana?

Mano, para dizermos que existem pontos fortes é preciso aceitar que existem pontos fracos e a cultura é sempre subjetiva, há quem aprecie, há quem repudie segundo a evolução dos valores morais e dos conhecimentos científicos. Logicamente que hoje em dia podemos considerar a excisão como uma prática cultural hedionda e repugnante, mas se foi abraçada por partes tão vastas do nosso continente (sobretudo na costa oriental, a mais influenciada pela cultura/religião islâmica) significa que houve uma altura em que essa prática era vista como benéfica. A maka agora é inverter a mentalidade que se sedimentou ao longo dos séculos, mas isso é universal, os portugueses e os espanhóis resistem à pressão das associações de defesa dos animais e à opinião pública em geral para continuarem com as touradas. Tenho tendência com a idade para apreciar mais o folclore e a pureza do que conseguiu resistir ao tufão devastador do progresso, como a escultura tradicional (a mais vastamente documentada é a Tchokwe), as cerimónias rituais de passagem, a dança do xinganje ou os modos de vida dos povos pastorícios do planalto centro/sul. Infelizmente o olhar que temos sobre essas culturas limita-se ao sobranceirismo algo paternalista de quem olha condescendente para uma cultura inferior e, para que não piore ainda mais a minha condição de preconceituoso, devo aceitar de bom grado incluir-me nesse grupo, pelo menos até me mexer do meu sofá e das páginas de livros onde busco esse conhecimento, despir-me dos meus pudores e ir passar um tempo com os herero, com os busquímane, apreciar de forma mais completa o que estou a dizer para que não seja só “algo bonito de dizer”.

O que mais o faz sentir-se orgulhoso de ser angolano?

Os angolanos, sobretudo os mais humildes que são uma inspiração permanente quando me lembram com os seus mais largos sorrisos que, na escala das coisas más, as que me sucedem são insignificantes, obrigando-me ao exercício de relativização, ensinando-me o valor das coisas simples.

Quais são as tuas influências literárias? 

Não sei responder a isto. Não leio tanto assim e não me agarro a autores. Do autor que escreveu o meu livro favorito por exemplo não li mais nenhum outro título. Leio sobre os assuntos mais diversos, sobretudo política, mas há tantos autores que não consigo restringi-los a um top. Dentro do universo dos romances gosto bastante do que escreve o Pepetela e o Mia Couto (deste último leio também diversos artigos que têm invariavelmente o condão de me maravilhar).

A sociedade 

"O crescimento do PIB não se reflete no dia-a-dia do cidadão comum, tem servido para desalojar pessoas para cascos-de-rolha sem reparações convenientes, dando lugar à zonas nobres no centro de onde têm brotado autenticos monumentos fálicos atestando o machismo da sociedade africana e a estupidez congénita da sua elite complexada que tenta a todo custo emular o ocidente que diz desprezar."

O que achas dos valores e padrões morais da juventude angolana?

Perdidos, raptados por uma classe política que promove e institucionaliza a corrupção e a imoralidade, encoraja todos os defeitos possíveis e imaginários e reprime quem ouse ser diferente.

Como encaras a sociedade angolana em geral?

Adormecida, zombificada, apática, cínica.

Depois dos acontecimentos do 7 de Março e 2 de Abril tornou-se uma figura bastante importante e inspiradora para muitos jovens angolanos, e uma peste para o regime ao ponto de contactarem a sua família com mensagems ameaçadoras bem como outras acções de repúdio. Alguma vez pensou que a sua música e as suas intervenções como homem e músico atingiriam estas dimensões?

Já receei que as coisas fossem acontecer mais cedo e de forma mais catastrófica. Quando lancei a música Kamikaze Angolano em 2004, fiquei agradavelmente surpreso com a falta de reação, não senti represália de forma alguma, não tinham cordas para me cortarem, eu nunca contei com airplay na rádio, nem com convites para mega-eventos patrocinados pelos suspeitos do costume. O show do Bob foi a exceção pois o mano MCK estava envolvido na organização e sugeriu o meu nome. O timing é que fez com que as coisas fossem amplificadas para aquela escandaleira que viste. Já tinha cantado o Kamikaze ao vivo tantas vezes antes, já tinha mandado caralhadas para esses energúmenos que nos desgovernam, mas foi o contexto que provocou a onda de choque e retaliação. Sinceramente, por já ter feito apresentações similares antes, não pensei que fosse dar no que deu, mas já que deu, agora só resta assumir barulho!

Quais são as tuas ideias acerca do desenvolvimento socio-econômico de Angola?

As minhas ideias ou o que eu penso? As minhas ideias envolvem o rompimento completo com o conceito “tradicional” de Estado-Nação, mas isso seria contra-corrente com o movimento de suicídio coletivo adotado pelo mundo moderno que mesmo informado da efemeridade do recurso que permite este estilo de vida poluente, continua a desejar aumentar o ritmo de consumo, como se as bóias de salvação fossem aparecer de repente no momento que se der a hecatombe. Mesmo seguindo o modelo atual do liberalismo económico acredito estarem a cometer-se erros de palmatória quando se descura a saúde e a educação de forma tão grotesca como tem sido apanágio dos nossos líderes. Eles só o fazem porque podem permitir-se o luxo de se irem curar fora quando estão doentes. Acho que o facto de uma primeira-dama meter o filho numa escola estrangeira argumentando que “com a educação não se brinca” é sintomático. O crescimento do PIB não se reflete no dia-a-dia do cidadão comum, tem servido para desalojar pessoas para cascos-de-rolha sem reparações convenientes, dando lugar à zonas nobres no centro de onde têm brotado autenticos monumentos fálicos atestando o machismo da sociedade africana e a estupidez congénita da sua elite complexada que tenta a todo custo emular o ocidente que diz desprezar.

Qual é a avaliação que fazes acerca destes dois partidos tão influentes no historial deste país?

Estás a falar certamente do MPLA e da UNITA? Sinceramente, como jovem, estou farto dos dois. Um faz as piruetas mais bandeirosas para conservar o poder e o outro faz muito pouco para contrariá-lo.

Qual a sua opinião acerca do actual clima politico do país?

É um período de transição que podia ser mais célere se todos os que têm uma pinga de consciência tomassem a dianteira e assumissem que precisamos de uma rutura. Infelizmente a nossa classe média/alta é composta essencialmente por mauricinhos cagões que não querem arriscar o que já “conquistaram”. Pois é bom que façam uma retrospetiva para analisar o que foi que de facto conquistaram com o seu suor, pois, acredito, a maior parte não sabe sequer o significado de sacrifício e abnegação, nasceram em berço de ouro e sempre tiveram os pais abrindo caminho pela mata para que os principezinhos tivessem acesso a tudo sem pisar em espinhos. Eu sei disso, eu sou uma dessas pessoas!

Nós e os Outros

Tens fé no futuro de Angola? 

Se não tivesse podes crer que a esta hora estaria a descobrir a que desporto radical me dedicar, a viajar por Angola, a viver a minha vida não me inteirando da de mais ninguém. A minha fé ainda está intacta, apesar dos revezes e da força aplicada pelo papão para fazer desmoronar essa parede.

Por último...


Conjunto no Elinga
Photo by Samurai
5 MCs que respeitas, em Angola ou no estrangeiro:
MCK, Keita Mayanda, Leonardo Wawuti, Phay Grand, Halloween


5 artistas que ouves quase que diariamente
Já não faço isso há anos. Da última vez que me lembro de ouvir intensamente algum artista: Fat Freddy's Drop, Asa, Tété, Promoe, Keziah Jones.


Petro ou D’Agosto? 
11 Bravos do Maquis

Funge com moamba de galinha ou feijão de óleo de palma com cacusso? 
Se a escolha for só entre esses dois, inclino-me mais para o feijão, de preferência num futuro próximo sem nenhum animal a acompanhá-lo. Curto bwé o funji mas já não estraçalho um frango há alguns anos, por isso também só já com molho :).

Cidade preferida em Angola? 
Até agora Huambo, mas ainda me faltam conhecer bwé!

Livro preferido? 
Por mais cliché que possa soar: 100 anos de solidão de Gabriel Garcia Marquez. Música preferida de todos os tempos? Missão impossível!

Pensamento do dia: 
O silêncio torna-nos cúmplices!

Luísa Sobral

Photo by Catarina Limão
At just 24 years old, she has one of the most highly regarded Portuguese albums of the past year. Cherry on My Cake is Luísa Sobral's debut album, and it's a joy to listen to on a sunny Saturday afternoon like this one. Luísa herself has a voice to match her bright compositions, equally comfortable singing beautiful jazz ballads in English or her native Portuguese. She first burst into the spotlight in one of Portugal's televised music competitions, before heading to the states to study at the Berklee College of Music, a short walk away from where I studied a bit further down Commonwealth Avenue.

Although the majority of the album is in English, it's been some time since I've heard a Portuguese voice singing jazz like this. I actually just read a Youtube commenter describe her as the Portuguese Billie Holiday; who am I to argue with Youtube wisdom. I remember listening to the album for the first time and being struck by O Engraxador and Xico, the latter of which is featured below. It's a jazz number that retains a very Portuguese quality about it, not much less so because of its lyrics. But my two favorite songs on the album are both in English - Don't Let Me Down and the album's runaway track, Not There Yet. I find myself returning again and again to it - click play below to hear what I mean.

Xico
Don't Let Me Down
Not There Yet

Aos 24 anos, tem um dos melhores álbums portugueses do ano. Chama-se Cherry on My Cake e é maravilhoso de se ouvir numa tarde de sábado ensolarada como esta. A voz da Luísa é a companheira ideal das suas lindas composições, sejam elas em português ou inglês. Notabilizou-se no programa Ídolos da SIC aos 16 anos e depois rumou para os States, onde estudou na Berklee College of Music, uns minutos à pé de onde eu estudei.

A maioria das músicas no álbum são cantadas em inglês, mas há um tempo que não ouvia uma voz portuguesa a cantar jazz desta maneira. Já vi comentários no Youtube a proclamar-lhe a Billie Holiday portuguesa. E quem sou eu para duvidar da sabedoria colectiva do Youtube! A primeira vez que ouvi o disco, saltou-me logo à "vista" a música Xico, e também O Engraxador, mas após mais umas audições apaixonei-me mais pelas composições em inglês, particularmente Don't Let Me Down e, para mim, a melhor música do disco: Not There Yet. Volto sempre a ela. Carregue no play acima para ouvires do que falo...

Friday, March 2, 2012

Mallu Magalhães

Photo by Renato Reis
Mallu Magalhães is younger than me. Mallu Magalhães is younger than my brother Joel, who I consider an infant (hi Joel). But at 19, and at the risk of sounding sappy, she proves once again that talent knows no age. Pitanga, her THIRD studio album, was my introduction to her; I have yet to hear her first two efforts. If you are reading this in Brazil, you most likely already know all about Mallu; she's been quite the sensation there ever since she started displaying her precocious musical talent on Myspace at a time when kids her age were using it for very different purposes. Her eponymous debut was released around the time she was only 16.

But apparently I haven't been paying attention and Pitanga was thus my introduction to the bilingual Mallu, after I saw it listed somewhere as one of the top Brazilian albums of the year. I'm taken aback by the freshness with which she creates Brazilian music, incorporating in it elements of rock and folk. I've noticed this growing trend with Brazilian music, and she does it very well. However, my favorite songs on Pitanga remain the ones that sound the most...familiar. Sambinha Bom, for example, always has me pressing the back button once it's done. It's simple and pared down - a multi-instrumental but mellow samba, and her voice. At 2 minutes and 55 seconds, it's short and sweet. Por Que Você Faz Assim Comigo is a little more into folk territory and more of a wider window into the different type of music she's so good at; listen to it on your headphones and pay attention at its intricateness. And finally there's O, Ana, which, at 2:14, is one of the shortest songs on the album as well as one of the ones I've listened to the most...

Sambinha Bom
Por Que Você Faz Assim Comigo
O, Ana

A Mallu Magalhães é minha mais nova. A Mallu Magalhães é mais nova do meu puto Joel, que considero imberbe (fixe, Jujas?). Mas aos 19 anos, é mais uma prova, e perdoem-me o clichê, que o talento não tem idade. O seu TERCEIRO álbum, Pitanga, foi a minha introdução à sua música; falta-me ainda ouvir os primeiros dois. Se está a ler isto no Brazil, com certeza que já a conhece e este texto não é novidade nenhuma; a Mallu tem sido uma verdadeira sensação musical desde o tempo que decidiu mostrar ao mundo o seu talento precoce na sua página Myspace quando o resto do pessoal da sua idade ainda usava o Myspace para fins...distintos. Aos 16 anos, lançou o seu primeiro CD.

Mas pelos vistos eu estive distraído, e foi preciso ela lançar o terceiro álbum para eu tomar nota - encontrei a Pitanga numa lista dos melhores álbuns brasileiros do ano. Tem sido uma lufada de ar fresco ouvir a sua maneira peculiar de encarar a música brasileira, misturando-a com elementos de folk e rock. Tenho notado esta tendência na música brasileira actual, e a Mallu não foi a primeira e não será a última a usufruir desta nova sonoridade. Mas certamente que é gostoso ouvi-la, tanto em inglês como em português - ela canta nas duas línguas. Contudo, as minhas músicas preferidas do Pitanga continuam a ser as que empregam a musicalidade tradicional do Brasil. Sambinha Bom, por exemplo, é a minha preferida. Nada mais que um samba suave, ameno, e a sua voz. Tem 2 minutos e 55 segundos mas é linda, talvez mesmo por ser tão pequena. Por Que Você Faz Assim Comigo é talvez um pouco mais 'folk' e é um melhor exemplo da sua musicalidade no geral; escute-a nos seus headphones e aprecie a complexidade da composição. E por fim, temos O, Ana, que, com 2:14, é uma das mais curtas do álbum mas também umas das que mais oiço.

A Sonoridade da Fotografia: Massalo Photography on Caipirinha Lounge, Vol. 12

Seeing this photograph, and hearing the song that accompanied it, inspired me to write again. I miss the Lounge as much as you do. Or at least I hope you miss the Lounge....

I haven't sat down to write like this in awhile. With a cup of tea (I don't even drink tea as often as I'd like) and good music playing on the stereo; when I get inspiration like this it is usually followed by more than one post and I happen to have some beautiful music in Portuguese that I've been wanting to share with you for awhile. Invariably though, procrastination is, indeed, a bitch.

Having said that, the first thing I want to share with you today isn't even a song in Portuguese - it's a cover of TV On the Radio's Wolf Like Me, sung by Anna Calvi (I was not even aware TV On the Radio is inspiring cover songs now). This is not something that I would normally listen to, and I don't particularly enjoy the song - actually, let me back up, I enjoy it sparingly and perhaps in good company. The 'company' in this case is Massalo's absolutely gorgeous photograph above. As is the case with Massalo I never know which inspired whom, if it was the song that inspired the photographic art or the other way around. I prefer it that way. They complement each other very well. Press play and take it all in.

Wolf Like Me

Fui inspirado a voltar a escrever após ver esta peça de arte, acompanhada por esta música em particular. Tenho sentido tanta saudade do Lounge como você. Ou melhor, espero que também tenha sentido saudade do Lounge...

Nunca mais sentei assim para escrever. Com um copo de chá quente (eu que nem bebo chá tanto como gostava) e música deliciosa no stereo; quando recebo estas rajadas de inspiração invariavelmente acabo por escrever mais do que um post. Ainda mais agora que tenho lindas músicas lusófonas que tenho estado a querer partilhar com vocês. É verdade o que dizem. A procrastinação é 'malaike'.

Tendo dito isto, a primeira música que partilho com vocês hoje nem sequer é lusófona, mas sim um cover de uma das minhas músicas preferidas dos TV On the Radio, Wolf Like Me, cantado pela 'fera' da Anna Calvi, como lhe caracterizou o Massalo. Isto não é algo que normalmente oiço, e não adoro este som em particular, mas sei lá, neste contexto, com esta fotografia, neste estado de espírito...sabe bem. Como sempre é o caso com as exposições do Massalo, nunca sei quem inspirou quem, se foi a música que inspirou a fotografia ou vice-versa; prefiro assim. Elas complementam-se lindamente. Carrega no play e usufrua...

***

*Para saber mais sobre a séria 'A Sonoridade da Fotografia' que conta com a participação do fotógrafo angolano Massalo Araújo, faça click aqui. // To learn more about the Sonoridade da Fotografia series featuring the Angolan Massalo Araújo's photography, click here.


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