Sou angolano, meus pais são angolanos, nasci em Angola, tenho passaporte angolano, sou portador de um BI angolano, visito o meu país pelo menos uma vez por ano, mas vivo na diáspora e por isso foi me retirado o direito de votar em eleições angolanas. Portanto, só me resta falar à toa aqui neste blog; a minha forma de luta, protesto e revolta é a música, como nos tempos prévios a independência angolana (em que nem sequer estava vivo). Naqueles tempos, eram as músicas de Teta Lando, Ngola Ritmos, e outros que exaltavam o povo para a independência. Hoje em dia temos as líricas do MCK, Azagaia, Ikonoklasta, Phay Grande (o poeta) e muitos outros que fazem do rap e hip-hop o seu grito de revolta. Como disse outrora, a música lusofona sempre foi bastante política, o Bonga que o diga. Aqui vão alguns sons que nesta semana são mais relevantes que nunca.
Intro pertinente para o artigo que se segue, artigo este que saiu na Lusa há mais de duas semanas atrás. O hip-hop angolano de qualidade sempre foi uma forma de intervenção social; acho a coisa mais natural que agora é a ‘banda sonora das manifestações contra o regime’, e que muitas das mais mediáticas personangens relacionadas com as manifestações em Luanda são eles próprios músicos. É impossível não ver os paralelos com os músicos que impulsionaram a luta da independência nos anos antecedentes ao 1975. Hoje, as entidades diplomáticas que visitam Angola já fazem questão de procurar o MCK - que o diga a Angela Merkel e Durão Barroso. Quem já vibrou aos sons do Katro, do Ikono, do Azagaia, percebe perfeitamente esta ‘banda sonora’...e mais do que isso, dança ao som dela.
Lusa: Manifestações Contra Regime Têm Banda Sonora*
Os “rappers” MCK, Ikonoklasta e Carbono vivem em Luanda e têm feito a crítica musical ao regime de José Eduardo dos Santos As manifestações que se têm realizado em Angola no último ano têm como banda sonora as músicas de uma nova geração de “rappers”, que, apesar de mais limitados na liberdade de criação, prometem não baixar a voz.
MCK, Ikonoklasta e Carbono vivem em Luanda e têm feito a crítica musical ao regime de José Eduardo dos Santos. Pedro Coquenão é luso-angolano, mora em Lisboa e é o autor do projecto Batida, que reúne trabalhos de alguns destes músicos num disco com o mesmo nome, recentemente lançado.
Em comum, os quatro artistas têm a juventude, o gosto pela música, o protesto, a urgência da democracia e o amor que dizem ter por Angola. Muitos dos protestos que aconteceram no país no último ano foram influenciados por estes “rappers”, que também os têm apoiado publicamente e até participado neles. “Corremos todos o risco, se pensarmos de forma diferente, a sermos mortos como galinhas de rua”, alerta o “rapper” MCK, em declarações à Lusa.
Regime aperta o cerco aos artistas
O regime angolano foi perdendo a tolerância e, no último ano, as coisas tornaram-se mais difíceis para os artistas angolanos. O decreto presidencial 111/11, de 31 de Maio de 2011, que regula espectáculos públicos, passou a impor um sistema de “registos”, “vistos” e “licenças” para atividades artísticas. “A repressão, agora, é mais actuante. O ano passado já foi um ano muito pesado, porque foi um ano pré-eleitoral. Este ano, como é eleitoral, a repressão aumentou”, compara MCK.
Os concertos deixaram de ser autorizados. No final do ano passado, o “rapper” Carbono tentou organizar espectáculos no Teatro Elinga, sala “histórica” para a música de intervenção, mas não conseguiu. “Querem controlar a cultura, principalmente os artistas independentes”, denuncia. Isso não tem impedido que estes “rappers” vendam milhares de discos, mais ou menos à socapa, nas ruas angolanas.
O país vive entre duas realidades distintas, destaca Pedro Coquenão, autor do projecto Batida e criador da Rádio Fazuma. Por um lado, há a realidade política, financeira e mediática, que “é um sítio onde parece que está tudo bem”, com uma “conversa cheia de advérbios de modo”, e, por outro, há o dia-a-dia, onde as pessoas “têm uma esperança média de vida que é uma pouca-vergonha”.
Não é por acaso que a música de intervenção nasce nos bairros mais pobres de Angola. É nos musseques onde “não há sequer a hipótese de decidir o que se quer fazer da vida”, lembra Coquenão. “Sempre foi assim. Só que hoje tens uma grande maioria de pessoas muito pobres e uma minoria cada vez mais reduzida de pessoas muito ricas”, realça MCK.
Depois da guerra e da morte, “Angola tem tudo para dar certo”, acredita MCK. Mas “o país está completamente anestesiado”, descreve o “rapper” Ikonoklasta.
É disso que fala a música “Cuka”, incluída no disco “Batida”. “A cerveja [Cuca é a marca nacional] aqui custa menos 70 cêntimos do que a água. É mais fácil as pessoas matarem a sede com cerveja. O país está completamente anestesiado e o álcool é uma das maneiras de o manter assim. Quando o MPLA faz manifestações, comícios, o que for, um dos chamarizes é a distribuição, quando não gratuita, a preços mais reduzidos de cerveja”, descreve à Lusa.
A maioria dos manifestantes anti-governo é composta por estudantes e artistas, mas também há “mães e senhoras do bairro”. A burguesia é que “ainda não se envolveu”, porque “está muito bem habituada à vida que tem”, lamenta Pedro Coquenão. Estes artistas não têm uma causa nova. “Estamos a cobrar o que essas pessoas fundaram, mas não está a acontecer na vida real”, resume Pedro Coquenão.
“As coisas vão demorar muito tempo”, mas, se ninguém fizer “asneiras”, a democracia estará lá, no fim do caminho, acredita.
“Olho Angola como a nossa parceira. Devemos ser os primeiros a elogiar a nossa parceira e também os primeiros a criticá-la. Com justiça e verdade. Não porque a odiamos, mas porque a amamos muito”, salienta MCK.
*Texto original saiu na Lusa no dia 8 de Abril de 2012
Este texto foi recuperado do site Maka Angola
Os links são do Caipirinha Lounge
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